A Caverna

Esta é a caverna, quando a caverna nos é negada/Estas páginas são as paredes da antiga caverna de novo entre nós/A nova antiga caverna/Antiga na sua primordialidade/no seu sentido essencial/ali onde nossos antepassados sentavam a volta da fogueira/Aqui os que passam se encontram nos versos de outros/os meus versos são teus/os teus meus/os eus meus teus /aqui somos todos outros/e sendo outros não somos sós/sendo outros somos nós/somos irmandade/humanidade/vamos passando/lendo os outros em nós mesmos/e cada um que passa se deixa/essa vontade de não morrer/de seguir/de tocar/de comunicar/estamos sós entre nós mesmos/a palavra é a busca de sentido/busca pelo outro/busca do irmão/busca de algo além/quiçá um deus/a busca do amor/busca do nada e do tudo/qualquer busca que seja ou apenas o caminho/ o que podemos oferecer uns aos outros a não ser nosso eu mesmo esmo de si?/o que oferecer além do nosso não saber?/nossa solidão?/somos sós no silêncio, mas não na caverna/ cada um que passa pinta a parede desta caverna com seus símbolos/como as portas de um banheiro metafísico/este blog é metáfora da caverna de novo entre nós/uma porta de banheiro/onde cada outro/na sua solidão multidão/inscreve pedaços de alma na forma de qualquer coisa/versos/desenhos/fotos/arte/literatura/anti-literatura/desregramento/inventando/inversando reversamento mundo afora dentro de versos reversos solitários de si mesmos/fotografias da alma/deixem suas almas por aqui/ao fim destas frases terei morrido um pouco/mas como diria o poeta, ninguém é pai de um poema sem morrer antes

Jean Louis Battre, 2010

27 de abril de 2017

a cidade tatuada nos olhos 2

há um resíduo de futuro
na avenida

entre carros e caminhões
banhados pela tarde
acena a carne

o corpo atrasa engrenagens
forja com sua frágil arquitetura
precárias barricadas

o aço corta o nó das horas
arrasta os ossos 
demanda esforços

o asfalto apenas multiplica esquinas
atropela ausências

sangram as sagradas chagas da palavra
soletrando a sombra de um sol insone

o sangue espesso nas escadas
corpos e facadas

na manhã
o beijo se transforma
camelôs e guardas se encontram ao redor da morte

agora
resta a navalha sob a sombra de um beijo proibido
vergonha e ódio incontido

- a epiderme se desloca
a cidade cresce
desenha e apaga
a superfície negra que não dorme

- no alto do edifício
um relógio marca horas repetidas

aço de janelas cegas
frágeis pálpebras devassadas
vértebra indefinida
osso do poema
argamassa bruta
dobradiças da cortina
cercas fronteiriças
vertigem inviolável
sol que solda horas mortas

o segredo da palavra nas entranhas da cidade
mar que arma as ondas do naufrágio
ar que arfa o arranjo do incontido

arde a tarde entre os carros
arde a vida nas entranhas das palavras

partem todos sem destino
perdidos neste rio sem gramática
partem sem um nome que defina
o incêndio embaçado desta luz cortante

há janelas que acenam com imagens cruas
vértebras oxidadas
tvs abandonadas
vozes mudas
movendo suas bocas
num imenso corpo de concreto

reverbera
a cidade
(que se perde aos poucos)
um navio que aderna no horizonte
a memória que escorre nas palavras

entre as letras
desaba o silêncio no intervalo da cidade
- o mar de nomes,
ossos escavados na areia
nas calçadas

nas paredes da cidade sonolenta
o eterno espanto das palavras

no rumor da noite
na arquitetura da carne
nos espasmos da palavra
escuto a aproximação dos Coiotes

Salvador Passos

25 de abril de 2017

a cidade tatuada nos olhos

há um resíduo de futuro
na avenida
entre carros e caminhões
acena a carne

o corpo atrasa engrenagens
forja odores moribundos
o aço corta o nó das horas
arrasta os ossos 
demanda esforços fúteis

o asfalto apenas multiplica esquinas
atropela ausências
apodrecimento

sangram as sagradas chagas da palavra
soletrando a sombra de um sol insone
o sangue espesso nas escadas
corpos e facadas
na manhã

o beijo
se transforma em faca
camelôs e guardas
se encontram
ao redor da morte

agora resta a faca
sob a sombra de um beijo proibido
vergonha e ódio incontido

a epiderme se desloca
a cidade cresce
desenha e apaga
a superfície negra
que não dorme
no alto do edifício
um relógio marca horas repetidas

frágeis pálpebras devassadas
vértebra indefinida
osso do poema
argamassa bruta
dobradiças da cortina
cercas fronteiriças
vertigem inviolável

o segredo da palavra nas entranhas da cidade
mar que arma as ondas do naufrágio
ar que arfa o arranjo do incontido

aço de janelas cegas
sol que solda as horas mortas

arde a tarde entre os carros
arde a vida nas entranhas das palavras

partem todos sem destino
perdidos neste rio sem gramáticas
partem sem um nome que defina
o incêndio embaçado desta luz cortante

há janelas que acenam com imagens cruas
vértebras oxidadas
tvs abandonadas
vozes mudas
movendo suas bocas
num imenso corpo de concreto

reverbera
a cidade
(que se perde aos poucos)
um navio que aderna no horizonte
a memória que escorre nas palavras

entre as letras
desaba o silêncio
no intervalo da cidade
(o mar de nomes)
ossos escavados na areia
nas calçadas

nas paredes da cidade sonolenta
o eterno espanto das palavras

no rumor da noite
no relógio inerte
escuto a aproximação dos Coiotes

Salvador Passos

colecionava gestos entre as páginas

colecionava gestos entre as páginas do caderno
a morte das horas

comia o silêncio dentro dos livros
a lua se encontrava em cada página
o ônibus se ausentava
o continente era o mesmo
não sabia recitar o silêncio das palavras

esperava pela poesia como quem explica a quarta feira

esquecia as ruas pelas tardes como quem desloca a morte para as margens

ainda habito a precária arquitetura do silêncio
& corro pelas ruas sem palavras

Salvador Passos

10 de abril de 2017

o motorista me responde que sim

o motorista me responde que sim
é direto
é uma satisfação
poupar alguns minutos
em trânsito
tenho um pé na escada e outro no chão
na hora que pego o impulso
reparo
a Central molhada
sem proteção
nesse instante desejo:
ser amada aqui
nesse lugar
nessa língua
pela vibração em que respondo
obrigada
e saco meu Bilhete Único
uma sério de gestos
que domino
sem hesitar
tento te ver
nesse contexto
desarmado
o amor talvez seja
sempre quebrar
os hábitos
no entanto sustentam 
um rumo disponível 
às vezes a repetição
não é
monotonia 
não é 
falta
pode ser 
um guia
pode ser
desenhar um mapa
com a carne
dos dedos 
toco as teclas
sem enxergar
suas letras formo
palavra 
passos 
de dança 
memória 
física
a história
é um sopro encarnado
entre as paredes e línguas e peles
ser amada aqui
em uma cidade que exige
que sua
que avacalha
que muda
as linhas
a cada 3 meses
e sufoca a rotina
e gargalha da estabilidade
quando subo no 315 Central – Recreio é uma vitória 
porque sabe-se lá até quando 
sabe-se lá quantas novas linhas 
a extinguir narrativas
então quando subo no 315 Central – Recreio
enxergo que grande parte do meu ser não é
feito de sublimações e essencias
grande parte do meu ser se faz
entre essas linhas
que traço e apago diariamente
pela cidade
Alvorada – Del Castilho – Cinelândia
Rua da lapa – Cinelândia – Central – Recreio
grande parte do meu ser é
deslocamento
automático
como meus dedos
a dançar palavras
sobre as teclas 
quase porque às vezes faísca
espera trânsito barracos 
e desencontros
hoje no 614 Alvorada – Del Castilho 
vi um rapaz confuso e o motorista indisposto
vi uma garota se aproximar talvez oferecendo ajuda
eles conversam claramente ele não é daqui
ela parece mais certa
do que faz imagino se
pela ajuda vão iniciar um contato trocar contato marcar uma cerveja começar algo
então entendo que na verdade já existe são algo
um casal nesses tempos nunca se sabe o termo certo mas são
algo ela só foi ajudar depois de um tempo porque está magoada
com algo depois dos minutos em que se explicam
passam o resto da viagem em silêncio
um ao lado do outro 
pelo silêncio compartilhado vejo que são
algo
na hora de descer a fila se forma com antecedência
ele se aproxima muito com indiferença
ela permite
ela desce em passos rápidos ela sabe
pra onde ir
ele segue afobado
caso a perca não sabe
para onde seguir em Del Castilho 
eles ficam na fila para comprar um bilhete
eu sigo em passos de quem sabe o caminho mais do que gostaria 

então quando subi com certeza no 315 –EXPRESSO
a repetição do impulso
sem hesitar
o amor é sempre
quebrar hábitos
se fazer estrangeira
em terras sem raiz
é atalho
no mais íntimo
dos movimentos 
guardados de cor
entre a língua a pele e as paredes
desejo 
laço que faz
dos pontos
de passagem
escolha
 

Essa cidade

O exílio é a umidade que sustenta o céu desta cidade. O exílio é São Conrado às 16:57 de uma sexta-feira. O exílio é te ver atravessando a rua como uma terra conquistada e em extinção. O exílio é não encontrar as memórias que guardei em cada mesa do nosso bar. O exílio é todo verão começar o mesmo de novo. O exílio é passar purpurina como uma veste de guerra. O exílio é o quarto dos pais em seu segredo original. O exílio é estar indiferente ao pôr do sol visto da Urca. O exílio é passar por aquela porta com gosto de ruína. O exílio é nunca mais arriscar a Baía de Guanabara. O exílio é o Bar da Cachaça. O exílio é se aproximar lentamente de cada montanha e não entender nada. O exílio é depois de uma certa idade as pessoas não mudam mais. O exílio são nossos diplomas e suas expectativas. O exílio é aquela tese que virava as dores como lajes. O exílio é uma fotografia esquecida em um dispositivo móvel em que uma noite - com a ajuda de um aplicativo - emerge transfigurada em armadilha. O exílio são as rosas rejeitadas por Iemanjá. O exílio é a janela com vista para um rio morto. O exílio é encontrar o equilíbrio estático que sela os poros para ser enfim independente das fases da lua. O exílio é minha pílula anticoncepcional. O exílio é sempre voltar pra casa. O exílio não são duas linhas. O exílio não é um lugar. O exílio é o começo daquele dia em que sem saber o motivo só assenti. O exílio parece áspero e é precisamente onde se pode descobrir. O exílio só termina quando se sabe que não tem fim. O exílio te implora para não olhar e quando você encara de fato está. O exílio é buscar saídas.