A Caverna

Esta é a caverna, quando a caverna nos é negada/Estas páginas são as paredes da antiga caverna de novo entre nós/A nova antiga caverna/Antiga na sua primordialidade/no seu sentido essencial/ali onde nossos antepassados sentavam a volta da fogueira/Aqui os que passam se encontram nos versos de outros/os meus versos são teus/os teus meus/os eus meus teus /aqui somos todos outros/e sendo outros não somos sós/sendo outros somos nós/somos irmandade/humanidade/vamos passando/lendo os outros em nós mesmos/e cada um que passa se deixa/essa vontade de não morrer/de seguir/de tocar/de comunicar/estamos sós entre nós mesmos/a palavra é a busca de sentido/busca pelo outro/busca do irmão/busca de algo além/quiçá um deus/a busca do amor/busca do nada e do tudo/qualquer busca que seja ou apenas o caminho/ o que podemos oferecer uns aos outros a não ser nosso eu mesmo esmo de si?/o que oferecer além do nosso não saber?/nossa solidão?/somos sós no silêncio, mas não na caverna/ cada um que passa pinta a parede desta caverna com seus símbolos/como as portas de um banheiro metafísico/este blog é metáfora da caverna de novo entre nós/uma porta de banheiro/onde cada outro/na sua solidão multidão/inscreve pedaços de alma na forma de qualquer coisa/versos/desenhos/fotos/arte/literatura/anti-literatura/desregramento/inventando/inversando reversamento mundo afora dentro de versos reversos solitários de si mesmos/fotografias da alma/deixem suas almas por aqui/ao fim destas frases terei morrido um pouco/mas como diria o poeta, ninguém é pai de um poema sem morrer antes

Jean Louis Battre, 2010

1 de dezembro de 2016

sargaço

sonhava com os teus trajetos
marcos
rumos
traços
passos pela escuridão do quarto
tatos
mansos
cegos de nascença
que renegam a visão
como profana maldição
somos só pedaços do escuro
peixes num aquário mudo
madrugada aberta nas janelas surdas
num ballet em braile suicida

naus que se arremessam
contra as pedras
rochas
que se escondem sob as ondas
braços
bocas
e naufrágios
rastros do teu cheiro
no sargaço
em noturnas praias à espreita
poros
pelos
frêmitos abertos
sob a chuva fina que ameaça o dia

acordar é um mistério
que não faz sentido
nossos corpos remam
contra a maré da noite
prolongando
a renúncia das palavras
que apenas rimam
incompletas

nos tornamos escafandros
bruscos
habitando fendas
âmagos
náufragos renunciando ao fôlego

somos plenos órgãos
únicos
ungidos pelo infinito
sangramos o sagrado
pelas mãos
sem pregos

gestos cegos
que exploram a imensa noite que naufraga
lanças
penetrando oceanos esquecidos
breves mortes
terra conquistada
e logo abandonada

frágil morte assim sonhada
delicada pálpebra esquecida
sangra a noite em teu eterno pranto
breve morte que renasce cega
mar cerrado
nomes sussurrados
vento que começa no vazio
e termina sem palavras





Salvador Passos

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