A Caverna

Esta é a caverna, quando a caverna nos é negada/Estas páginas são as paredes da antiga caverna de novo entre nós/A nova antiga caverna/Antiga na sua primordialidade/no seu sentido essencial/ali onde nossos antepassados sentavam a volta da fogueira/Aqui os que passam se encontram nos versos de outros/os meus versos são teus/os teus meus/os eus meus teus /aqui somos todos outros/e sendo outros não somos sós/sendo outros somos nós/somos irmandade/humanidade/vamos passando/lendo os outros em nós mesmos/e cada um que passa se deixa/essa vontade de não morrer/de seguir/de tocar/de comunicar/estamos sós entre nós mesmos/a palavra é a busca de sentido/busca pelo outro/busca do irmão/busca de algo além/quiçá um deus/a busca do amor/busca do nada e do tudo/qualquer busca que seja ou apenas o caminho/ o que podemos oferecer uns aos outros a não ser nosso eu mesmo esmo de si?/o que oferecer além do nosso não saber?/nossa solidão?/somos sós no silêncio, mas não na caverna/ cada um que passa pinta a parede desta caverna com seus símbolos/como as portas de um banheiro metafísico/este blog é metáfora da caverna de novo entre nós/uma porta de banheiro/onde cada outro/na sua solidão multidão/inscreve pedaços de alma na forma de qualquer coisa/versos/desenhos/fotos/arte/literatura/anti-literatura/desregramento/inventando/inversando reversamento mundo afora dentro de versos reversos solitários de si mesmos/fotografias da alma/deixem suas almas por aqui/ao fim destas frases terei morrido um pouco/mas como diria o poeta, ninguém é pai de um poema sem morrer antes

Jean Louis Battre, 2010

7 de novembro de 2016

El laberinto de la soledad

Yuri viu que a Terra é azul e disse a Terra é azul.

Depois disso, ao ver que a folha era verde disse

a folha é verde, via que a água era transparente

e dizia a água é transparente via a chuva que caía

e dizia a chuva está caindo via que a noite surgia

e dizia lá vem a noite, por isso uns amigos diziam

que Yuri era só obviedades enquanto outros

atestavam que tolos se limitavam a tautologias

e inimigos juravam que Yuri era um idiota

que se comovia mais que o esperado; chorava

nos museus, teatro, diante da televisão, alguém

varrendo a manhã, cafés vazios no fim da noite,

secos de carvão; a neve caindo, dizia é branca

a neve e chorava; se estava triste, se alegre,

essa mágoa; mas ria se via um besouro dizia

um besouro, e ria; vizinhos e cunhados decretaram:

o homem estava doido; mas sua mulher assegurava

que ele apenas voltara sentimental. O astronauta

lacrimoso sentia o peito tangido de amor total

ao ver as filhas brincando de passar anel

e de melancolia ao deparar com antigas fotos

de Klushino, não aquela dos livros, estufada

de pensões e medalhas, mas sua aldeia menina,

dos carpinteiros, da lua e lobisomens,

do seu tio Pavel, de sua mãe, do trem,

de seus primos, coisas assim, luvas velhas,

furadas, que servem apenas para fazer chorar.

Era constrangedor o modo como os olhos

de Yuri pareciam transpassar as paredes

nas reuniões de trabalho, nas solenidades,

nas dicsussões de metas para o próximo ano

e no instante seguinte podiam se encher de água

e os dentes ficavam quase azuis de um sorriso

inexplicável: um velho general, ironicamente

ou não, afirmara em relatório oficial que Yuri

Gagarin vinha sofrendo de uma ternura

devastadora; sabe-se lá o que isso significava,

mas parecia que era exatamente isso, porque

o herói não voltou místico ou religioso, ficou

doce, e podia dizer eu amo você com a facilidade

de um pequeno-burguês, conforme sentença

do Partido a portas fechadas. Certo dia, contam

caiu aos pés de Octavio Paz; descuidado, tropeçara

de paixão pelas telas cubistas degeneradas de Picasso.

Médicos recomendaram vodca, férias, Marx,

barbitúricos; o pobre-diabo fez de tudo

para ser igual a todo mundo; mas,

quando parecia apenas banal, logo dizia coisas

como a leveza é leve. Desde o início,

quiseram calá-lo; uma pena; Yuri voltou vivo

e não nos contou como é a morte.

Eucanaã Ferraz

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