A Caverna

Esta é a caverna, quando a caverna nos é negada/Estas páginas são as paredes da antiga caverna de novo entre nós/A nova antiga caverna/Antiga na sua primordialidade/no seu sentido essencial/ali onde nossos antepassados sentavam a volta da fogueira/Aqui os que passam se encontram nos versos de outros/os meus versos são teus/os teus meus/os eus meus teus /aqui somos todos outros/e sendo outros não somos sós/sendo outros somos nós/somos irmandade/humanidade/vamos passando/lendo os outros em nós mesmos/e cada um que passa se deixa/essa vontade de não morrer/de seguir/de tocar/de comunicar/estamos sós entre nós mesmos/a palavra é a busca de sentido/busca pelo outro/busca do irmão/busca de algo além/quiçá um deus/a busca do amor/busca do nada e do tudo/qualquer busca que seja ou apenas o caminho/ o que podemos oferecer uns aos outros a não ser nosso eu mesmo esmo de si?/o que oferecer além do nosso não saber?/nossa solidão?/somos sós no silêncio, mas não na caverna/ cada um que passa pinta a parede desta caverna com seus símbolos/como as portas de um banheiro metafísico/este blog é metáfora da caverna de novo entre nós/uma porta de banheiro/onde cada outro/na sua solidão multidão/inscreve pedaços de alma na forma de qualquer coisa/versos/desenhos/fotos/arte/literatura/anti-literatura/desregramento/inventando/inversando reversamento mundo afora dentro de versos reversos solitários de si mesmos/fotografias da alma/deixem suas almas por aqui/ao fim destas frases terei morrido um pouco/mas como diria o poeta, ninguém é pai de um poema sem morrer antes

Jean Louis Battre, 2010

24 de outubro de 2016

Arrastão 2

esquecerei minha infância
no elevador entre o décimo e o nono andar e até
tenho miojo e a tv aberta
badalação conta bancária — nadas

o açúcar da sua voz
me roubou a bolsa e com o choque tive amnésia
não lembrarei o meu nome

na última hora disse que ia para o havaí
na praia
ouviria o tumulto
do mar
pedindo esmola e perdão

Se eu encostasse
meu ouvido
no meu peito
ouviria o tumulto
e as escadas magírus
ditando este e-mail para minha vizinha

adiós muchacha

isso é pra você que insiste esquecer o guarda-chuva só pra ter a esperança de um dia voltar atrás

não sairá dos meus ossos
(can’t you see?)

Salvador Passos




Boletim de Ocorrência: Inventário de versos subtraídos



Minas

Se eu encostasse
meu ouvido
no seu peito
ouviria o tumulto
do mar
o alarido estridente
dos banhistas
cegos de sol
o baque
das ondas
quando despencam
na praia

Vem
escuta
no meu peito
o silêncio
elementar
dos metais

querida angélica

querida angélica não pude ir fiquei presa
no elevador entre o décimo e o nono andar e até
que o zelador se desse conta já eram dez e meia

querida angélica não pude ir tive um pequeno
acidente doméstico meu cabelo se enganchou dentro
da lavadora na verdade está preso até agora estou
ditando este e-mail para minha vizinha

querida angélica não pude ir meu cachorro
morreu e depois ressuscitou e subiu aos céus
passei a tarde envolvida com os bombeiros
e as escadas magírus

querida angélica não pude ir perdi meu cartão
do banco num caixa automático fui reclamar
para o guarda que na verdade era assaltante
me roubou a bolsa e com o choque tive amnésia

querida angélica não pude ir meu chefe me ligou
na última hora disse que ia para o havaí
de motocicleta e eu tive que ir para o trabalho
de biquíni portanto me resfriei

querida angélica não pude ir estou num
cybercafé às margens do orinoco fui sequestrada
por um grupo terrorista por favor deposite
dez mil dólares na conta 11308-0 do citibank
agência valparaíso obrigada pago quando voltar

Poesia e Realidade

o açúcar da sua voz
não sairá dos meus ossos —

minha vida será triste
perderei os meus amigos

venderei minha família
por um copo de cachaça

vagarei pelas cidades
pedindo esmola e perdão

esquecerei minha infância
não lembrarei o meu nome

morrerei como indigente
não serei reconhecido

meu corpo cheio de escaras
será jogado no mar —

o açúcar da sua voz
não sairá dos meus ossos


elogio do fracasso
bye bye mecenas que eu nunca vi
patronos bancos prizes marmeladas
adiós muchachas
            ninfas depiladas
iates vulvas
     que sequer comi

sayonara sucesso
            (can’t you see?)
badalação conta bancária — nadas
que tudo me dariam nas bancadas
da glória em cosmopolitan party

fico tranquilo
            a fome é coisa pouca
tenho miojo e a tv aberta
não deixa que eu me perca
                   em zap a esmo

penhoro o notebook
            corto a coca
dispenso a secretária
                    (é a coisa certa)
e fico de office-boy para mim mesmo



inverno dentro dos tímpanos

Isso é pra você que é um desses caras fumando o último cigarro do maço antes de atravessar a Rua dos Pingüins Tristonhos. É pra você que insiste esquecer o guarda-chuva só pra ter a esperança de um dia voltar atrás. É pra você que come cheeseburguers com recheio de neve e catchup esperando a noite chegar num banco qualquer de uma praça chamada No Meio do Nada. É pra você que cruza a Rodovia do Café dentro dum ônibus voltando da Cidade Industrial por volta da 23:45, carregando uma sacolinha cheia de desilusão. É pra você que é aí das quebradas e tem o tórax inchado e os olhos melados ganindo pra lua com intervalos peripatéticos de tosse. É pra você que espera os créditos acabarem antes de sair do filme. Isso é pra você em quem os analgésico não fazem mais efeito.







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