A Caverna

Esta é a caverna, quando a caverna nos é negada/Estas páginas são as paredes da antiga caverna de novo entre nós/A nova antiga caverna/Antiga na sua primordialidade/no seu sentido essencial/ali onde nossos antepassados sentavam a volta da fogueira/Aqui os que passam se encontram nos versos de outros/os meus versos são teus/os teus meus/os eus meus teus /aqui somos todos outros/e sendo outros não somos sós/sendo outros somos nós/somos irmandade/humanidade/vamos passando/lendo os outros em nós mesmos/e cada um que passa se deixa/essa vontade de não morrer/de seguir/de tocar/de comunicar/estamos sós entre nós mesmos/a palavra é a busca de sentido/busca pelo outro/busca do irmão/busca de algo além/quiçá um deus/a busca do amor/busca do nada e do tudo/qualquer busca que seja ou apenas o caminho/ o que podemos oferecer uns aos outros a não ser nosso eu mesmo esmo de si?/o que oferecer além do nosso não saber?/nossa solidão?/somos sós no silêncio, mas não na caverna/ cada um que passa pinta a parede desta caverna com seus símbolos/como as portas de um banheiro metafísico/este blog é metáfora da caverna de novo entre nós/uma porta de banheiro/onde cada outro/na sua solidão multidão/inscreve pedaços de alma na forma de qualquer coisa/versos/desenhos/fotos/arte/literatura/anti-literatura/desregramento/inventando/inversando reversamento mundo afora dentro de versos reversos solitários de si mesmos/fotografias da alma/deixem suas almas por aqui/ao fim destas frases terei morrido um pouco/mas como diria o poeta, ninguém é pai de um poema sem morrer antes

Jean Louis Battre, 2010

27 de junho de 2016

coiote

quero o ruído das noites
a fuga dos nomes
o coiote
não o cão domesticado

Salvador Passos

17 de junho de 2016

inferno

marcar a página
com a passagem das palavras
o dorso
a vértebra
o osso
penar palavras
o fogo
ladrão de ossos
arqueólogo de uma geografia obscura
o procedimento nômade
a tradição delirante

telefones rasgam a noite
morte e dinheiro em seu incesto
sinto pena da solidão teleguiada
rádios que perturbam meu silêncio
signos do nada
estática aberta
atento busco as palavras
o corpo das palavras
incorporo
qual cavalo
estou luso
solavancos cortam o branco
ossos da ausência

como os navios que desbravam o distante horizonte
rocha
pedra
mandíbula que mastiga nomes
pra cuspir distancias e insônias
no armário da cozinha
outro verme come meu miojo

Salvador Passos

15 de junho de 2016

Explicação

O pensamento é triste; o amor, insuficiente;
e eu quero sempre mais do que vem nos milagres.
Deixo que a terra me sustente:
guardo o resto para mais tarde.
Deus não fala comigo – e eu sei que me conhece.
A antigos ventos dei as lágrimas que tinha.
A estrela sobe, a estrela desce…
– espero a minha própria vinda.
(Navego pela memória
sem margens.
Alguém conta a minha história
e alguém mata os personagens.)

Cecília Meireles

14 de junho de 2016

Tradução

este poema
em outra língua
seria outro poema

um relógio atrasado
que marca a hora certa
de algum outro lugar

uma criança que inventa
uma língua
só para falar
com outra criança

uma casa de montanha
reconstruída sobre a praia
corroída pouco a pouco pela presença do mar

o importante é que
num determinado ponto
os poemas fiquem emparelhados

como em certos problemas de física
de velhos livros escolares

Ana Martins Marques (Livro das Semelhanças)

9 de junho de 2016

aponto as sobras de amor pra extinguir o medo das cobras



foi como respirar com um drone atravessado
na glote, te ver doer assim me assou as asas.
ô baby, eu queria tanto desamassar esse pão,
confiscar o novelo desses minotauros, roubar
o santo sudário pra enxugar tua testa, rebocar
o sol dessa tarde à base de cal, lavar teu sangue
com a minha ausência, ensinar a eles a leveza
da tua camomila, apagar esses hematomas cor-
de-ninguém, resolver essa richa numa partida
de jokempô, we know things are bad - worse
then bad. they're crazy. é o nosso judô juvenil
contra aquela legião de bestas. a manada estou-
rando e a gente no front com um girassol na boca.
esses pacifóbicos, esses barulhômanos. há quem
ceda ao sal dessa sede e duvide do nosso taco,
netos de caim caindo de paraquedas na nossa
marcha; mas eles não passarão, Passarão, essa
guerra não é dos que usam garra postiça, é na língua
deles que o chiclete vai azedar. ontem não teve hoje
que consolasse, mas baby, você lembra o refrão,
amanhã a gente acerta a tônica dessa porrada toda. ó
minha grande, ó minha pequena, esses brutamontes
não merecem o brócolis que brota de tuas veias,
guarda tua lágrima pruma outra season finale que
nesta temporada não seremos o plot twist. não
caberá nessa jaula o nosso rugido, não será tele-
guiada essa revolução. agora dança, coala, forget
our troubles and dance, descalça tua melhor alpar-
gata e valsa. let's play that. insiste nesse passo, vai
repassando a tática até virar viral. fala que o segredo
tá no ritmo, eles têm medo de quem sabe dançar.

Camillo José
(29 de abril:o verso da violência)