A Caverna

Esta é a caverna, quando a caverna nos é negada/Estas páginas são as paredes da antiga caverna de novo entre nós/A nova antiga caverna/Antiga na sua primordialidade/no seu sentido essencial/ali onde nossos antepassados sentavam a volta da fogueira/Aqui os que passam se encontram nos versos de outros/os meus versos são teus/os teus meus/os eus meus teus /aqui somos todos outros/e sendo outros não somos sós/sendo outros somos nós/somos irmandade/humanidade/vamos passando/lendo os outros em nós mesmos/e cada um que passa se deixa/essa vontade de não morrer/de seguir/de tocar/de comunicar/estamos sós entre nós mesmos/a palavra é a busca de sentido/busca pelo outro/busca do irmão/busca de algo além/quiçá um deus/a busca do amor/busca do nada e do tudo/qualquer busca que seja ou apenas o caminho/ o que podemos oferecer uns aos outros a não ser nosso eu mesmo esmo de si?/o que oferecer além do nosso não saber?/nossa solidão?/somos sós no silêncio, mas não na caverna/ cada um que passa pinta a parede desta caverna com seus símbolos/como as portas de um banheiro metafísico/este blog é metáfora da caverna de novo entre nós/uma porta de banheiro/onde cada outro/na sua solidão multidão/inscreve pedaços de alma na forma de qualquer coisa/versos/desenhos/fotos/arte/literatura/anti-literatura/desregramento/inventando/inversando reversamento mundo afora dentro de versos reversos solitários de si mesmos/fotografias da alma/deixem suas almas por aqui/ao fim destas frases terei morrido um pouco/mas como diria o poeta, ninguém é pai de um poema sem morrer antes

Jean Louis Battre, 2010

14 de abril de 2016

janela

queria prolongar o vento do silêncio entre os hemisférios
queria transmitir a visão do Rio entre as brumas
esta visão de dentro da janela que me faz eterno
queria tecer as teias
as tramas
que conectam o passado e um esquecimento doloroso e lento

queria escutar a voz do vento
o tempo ruindo sobre nossas cabeças e a construção das rugas
dos veios
o sangue
o coágulo
nervo exposto
tecido morto
músculo flácido
ombro dolorido

queria descrever o avanço da ferrugem
como geometria de um incêndio invisível
a ação do mar em comunhão com vento
sempre devorando o tempo

queria descrever o solavanco das sílabas no silêncio
rasgando a página em branco

queria prolongar o gesto cego
como o tolo capitão que navega a tempestade
perguntar coisas sem sentido
conclamar revoltas
esvaziar garrafas

queria retratar o ritmo das marés
capturar o mar que avança sobre as pedras nuas
não por meio de barreiras
mas com arapucas metafóricas
que apontassem os vestígios de sal na pedra

queria narrar
o avanço das palavras
sobre a página crua
o escorrer das horas por entre os dedos
o bater das noites nas janelas
queria esticar o texto para além da página
anunciar o solavanco das horas nuas
plenas de ausência

há um vento que plange o comício dos esquecimentos
há uma igreja abandonada no alto do relento
uma noite longa
sem nenhum sussurro dentro
cheia de buracos
e ranger de dentes

há uma pelugem sobre as horas
que os mais tolos chamam de neblina

hoje eu sei que as palavras borram as coisas que nomeiam
aprendi que o poema se faz na esquina

o poema é por vezes sufocar as sílabas de um silêncio oco
arrastar palavras pelo tempo
até que elas encontrem a redenção em seu relento

aproveito a distância
para entregar eternidades
como se o tempo fosse um rio

sei que no poema
cabe o que calha
e fica o que não foi

finco letras como navalhas no silêncio

Salvador Passos

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