A Caverna

Esta é a caverna, quando a caverna nos é negada/Estas páginas são as paredes da antiga caverna de novo entre nós/A nova antiga caverna/Antiga na sua primordialidade/no seu sentido essencial/ali onde nossos antepassados sentavam a volta da fogueira/Aqui os que passam se encontram nos versos de outros/os meus versos são teus/os teus meus/os eus meus teus /aqui somos todos outros/e sendo outros não somos sós/sendo outros somos nós/somos irmandade/humanidade/vamos passando/lendo os outros em nós mesmos/e cada um que passa se deixa/essa vontade de não morrer/de seguir/de tocar/de comunicar/estamos sós entre nós mesmos/a palavra é a busca de sentido/busca pelo outro/busca do irmão/busca de algo além/quiçá um deus/a busca do amor/busca do nada e do tudo/qualquer busca que seja ou apenas o caminho/ o que podemos oferecer uns aos outros a não ser nosso eu mesmo esmo de si?/o que oferecer além do nosso não saber?/nossa solidão?/somos sós no silêncio, mas não na caverna/ cada um que passa pinta a parede desta caverna com seus símbolos/como as portas de um banheiro metafísico/este blog é metáfora da caverna de novo entre nós/uma porta de banheiro/onde cada outro/na sua solidão multidão/inscreve pedaços de alma na forma de qualquer coisa/versos/desenhos/fotos/arte/literatura/anti-literatura/desregramento/inventando/inversando reversamento mundo afora dentro de versos reversos solitários de si mesmos/fotografias da alma/deixem suas almas por aqui/ao fim destas frases terei morrido um pouco/mas como diria o poeta, ninguém é pai de um poema sem morrer antes

Jean Louis Battre, 2010

15 de janeiro de 2015

O procedimento do nômade



O procedimento do nômade - o sem teto, o camelô, o favelado, o migrante - é sempre tático. Ele não dispõe de dispositivos de planejamento e coerção: sua ação é ditada pelas necessidades de sobrevivência individual. Ele instrumentaliza tudo o que está ao seu alcance: o morador de rua usa a torneira do posto de gasolina, o camelô toma para si um trecho da calçada, o favelado ocupa áreas junto a autopistas e viadutos e faz ligações clandestinas de luz. Toda a infra-estrutura urbana vai sendo potencialmente requisitada e redirecionada para outros usos (...) O nômade está sempre produzindo aramas, criando dispositivos de guerra. São instrumentos e equipamentos de sobrevivência na cidade global (...) As zonas, espaços e objetos que os imigrantes inventam são territórios de jogo e ironia, onde o estranhamento opera para criar linguagem e desenhar um novo lugar. A cidade é um espaço compartimentalizado pelo capital e o trabalho. Mas movimentos colocam continuamente em xeque essas repartições rígidas. Processos fluidos que vazam através dos limites reconfigurando de outro modo as situações. As populações sem moradia, os que se dedicam ao comércio informal e os catadores de papel são agentes destes fluxos, da maré do indiferenciado que corrói as estruturas urbanas estabelecidas (...) Os nômades metropolitanos operam uma máquina de guerra contras as políticas urbanas e os empreendimentos imobiliários que determinam a estruturação excludente da cidade (...) Os percursos dos sem lugar estabelecem um outro modo de organizar e perceber o espaço(...) Eles tomam o território através de densificações e intensificações (...) Aparelhos de captura são construídos para se apropriarem das máquinas de guerra. Tomada pelo Estado, a máquina de guerra é dirigida contra os nômades. (...) é o modelo da fortaleza: cada vez que há operação de desestabilização, que um novo potencial nomádico aparece, a resposta do aparelho consiste em estriar o espaço, contra tudo o que ameaça invadir ou transbordá-lo. Daí as cercas, os condomínios, as áreas restritas para o comércio informal, as práticas de remoção das populações sem moradia. A arquitetura é, em geral, um aparelho de captura.

Nelson Brissac Peixoto

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