A Caverna

Esta é a caverna, quando a caverna nos é negada/Estas páginas são as paredes da antiga caverna de novo entre nós/A nova antiga caverna/Antiga na sua primordialidade/no seu sentido essencial/ali onde nossos antepassados sentavam a volta da fogueira/Aqui os que passam se encontram nos versos de outros/os meus versos são teus/os teus meus/os eus meus teus /aqui somos todos outros/e sendo outros não somos sós/sendo outros somos nós/somos irmandade/humanidade/vamos passando/lendo os outros em nós mesmos/e cada um que passa se deixa/essa vontade de não morrer/de seguir/de tocar/de comunicar/estamos sós entre nós mesmos/a palavra é a busca de sentido/busca pelo outro/busca do irmão/busca de algo além/quiçá um deus/a busca do amor/busca do nada e do tudo/qualquer busca que seja ou apenas o caminho/ o que podemos oferecer uns aos outros a não ser nosso eu mesmo esmo de si?/o que oferecer além do nosso não saber?/nossa solidão?/somos sós no silêncio, mas não na caverna/ cada um que passa pinta a parede desta caverna com seus símbolos/como as portas de um banheiro metafísico/este blog é metáfora da caverna de novo entre nós/uma porta de banheiro/onde cada outro/na sua solidão multidão/inscreve pedaços de alma na forma de qualquer coisa/versos/desenhos/fotos/arte/literatura/anti-literatura/desregramento/inventando/inversando reversamento mundo afora dentro de versos reversos solitários de si mesmos/fotografias da alma/deixem suas almas por aqui/ao fim destas frases terei morrido um pouco/mas como diria o poeta, ninguém é pai de um poema sem morrer antes

Jean Louis Battre, 2010

31 de outubro de 2013

Visão do apocalipse com caxumba

Diante do espelho, não é mais incômodo o barulho do lunático barbudo rugindo obscenidades para recém-nascidos. Orgulho-me do maxilar inchado, prova definitiva da superioridade da mandíbula sobre o encéfalo. Entretanto, só os dentes frontais podem ser empregados no dilaceramento da carne. Os caninos existem num presente neolítico - intocável porque dolorido - e a protuberância monumental de minha arcada se transforma em parafusos de Frankestein escondidos mal e mal pela barba da semana. Bolachas, as rôo com paciência, quinze minutos cada uma. Aceito com tranquilidade minha metamorfose em capivara bípede, ainda que por dez dias.

O fumo narcotiza a dor e embebeda o tubérculo que engulo na sopa das seis. Quisera um dia, ser corpo de tigre em nadadeiras de golfinho para percorrer mares e selvas com a naturalidade com que vazo pelas tardes inúteis. Mas afinal de contas, qual o sentido da doença quando passa o martírio? Agora que a febre se foi, o que sobra senão o medo da movimentação do vírus rumo à fertilidade do escroto? Sinto a força da doença substituindo a falsidade dos meus músculos por uma vitalidade unicelular e transmorfa. E então vem à mente a mãe de todas as perguntas felizes: não é um pecado destruir um cristal genético que vive apenas para subverter os estatutos de minhas veias? 

Pois que nade até meu saco mole e enrugado e infle todos os canais seminíferos com sua Boa Nova. Afinal de contas, não querias o bom e o novo inflamando este mundo velho sem deus nem Porteira, não eras tu, ó barbudo do campo, o homem que sonhava em plantar videiras negras e patuás de chifres de bode nos cemitérios da bocadolixo; não estavas cansado da hipócrita preservação do dígito binário como única fonte da evolução humana; não querias instituir o lastro-merda para todos os seres vivos do planeta definitivamente excretarem sua auto-suficiência? Pois bem, diz-me o vírus, eis tua chance... 

Posso te fazer nadadeira de baleia debaixo do barco de alumínio; posso afiar tua agonia até o êxtase. Posso transfigurar-te, fazer de todos os teus cabelos unidos um único chifre de Nerval, do escroto uma bigorna e de teus olhos meus irmãos. Seremos Seiscentos e Sessenta e Seis trilhões de trindades habitando o mesmo corpo.

Eu esgarço um sorriso e das frestas da saliva dragões viróticos, asas são maiores que o mundo, enfiam o pescoço pelo útero do universo. Abocanho de uma só vez todos os anjos pernósticos da alameda Santos e os demônios arrependidos a negociar bíblias na praça da Sé. Fetos anônimos do Apocalipse. Abaixo minhas calças, os testículos caem como corpos que acabaram de ser crucificados e passam a acompanhar com interesse cruzadas, guerras santas, e batalhas futurísticas nas arquibancadas de um estádio de futebol. Coço o saco demoradamente. Ainda não chegou a hora do Pacaembu escorrer sua gema vermelha para as ruas da cidade. Brigo com um velho que insiste em chamar guerreiros de vândalos. Bah! A putaqueopariu com os sonhos pacíficos das Bucetas. Meu saco se foi e já posso esporrar livremente pela boca aberta. Meu gozo se torna um grito lançado pelo cu do mundo. E, acreditem, um dia os machos parirão como os cavalos marinhos e as fêmeas governarão a Terra. Continuarão, porém, apanhando de maridos suados, peludos e fedidos e toda a essência do feminismo será o chip de champanhe desalcoolizada que o amante sofisticado e bonito oferecerá, com um sorriso de mestre cuca francês, à mulher de cinta-liga preta, nos píxeis das revistas neomoderninhas...

Mas haverá casais sentados no banco da praça para esperar o último crepúsculo. Aguçarão os ouvidos para perceber o crepitar dos cometas invadindo nossa atmosfera. Ele tocará os bicos dos seios dela com a ponta dos dedos que avançarão mais e mais até que toda a extensão dos vales caibam na palma de sua mão. Ela se divertirá com a semelhança entre o pau dele e um chocalho. Não os incomodarão os policiais e torcedores gritando ao horizonte enquanto masturbam-se com as mãos decepadas de papas e políticos. Não, pelo contrário, sorrirão e os abraçarão. E os casais virarão tríades, quadrados, trapézios, losangos, pentateucos, octetos, cones, elipses, espirais, até tornarem-se a tessitura viva do planeta agonizante. Então, quando toda a galáxia gritar de revolta e cuspir plasma para demonstrar nossa insignificância, o orgasmo trespassará o apocalipse e um jato potentíssimo de esperma e sucos vaginais foderá a ira santa do Universo, tornando-a o mais mundano dos nasceres solares. E neste fim de ciclo, eu te prometo, o mundo não vai acabar.

E não me venham depois me chamar de herético, ou machista, ou reacionário, ou anacrônico, mesmo visionário, profeta ou outra coisa qualquer! Serei então um bode velho e caxumbento pastando asas em carcaças de anjos. O saco arrastando no chão, os olhos a contemplar o vácuo do que foi o paraíso, os chifres afiados nos escombros do Éden. Só faltará então a alegre carreira desgovernada para, a cabeçadas, pôr abaixo os portais do inferno.

Maurício Ferreira
Visão do Apocalipse com Caxumba" foi originalmente publicado na revista Azougue #2

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