A Caverna

Esta é a caverna, quando a caverna nos é negada/Estas páginas são as paredes da antiga caverna de novo entre nós/A nova antiga caverna/Antiga na sua primordialidade/no seu sentido essencial/ali onde nossos antepassados sentavam a volta da fogueira/Aqui os que passam se encontram nos versos de outros/os meus versos são teus/os teus meus/os eus meus teus /aqui somos todos outros/e sendo outros não somos sós/sendo outros somos nós/somos irmandade/humanidade/vamos passando/lendo os outros em nós mesmos/e cada um que passa se deixa/essa vontade de não morrer/de seguir/de tocar/de comunicar/estamos sós entre nós mesmos/a palavra é a busca de sentido/busca pelo outro/busca do irmão/busca de algo além/quiçá um deus/a busca do amor/busca do nada e do tudo/qualquer busca que seja ou apenas o caminho/ o que podemos oferecer uns aos outros a não ser nosso eu mesmo esmo de si?/o que oferecer além do nosso não saber?/nossa solidão?/somos sós no silêncio, mas não na caverna/ cada um que passa pinta a parede desta caverna com seus símbolos/como as portas de um banheiro metafísico/este blog é metáfora da caverna de novo entre nós/uma porta de banheiro/onde cada outro/na sua solidão multidão/inscreve pedaços de alma na forma de qualquer coisa/versos/desenhos/fotos/arte/literatura/anti-literatura/desregramento/inventando/inversando reversamento mundo afora dentro de versos reversos solitários de si mesmos/fotografias da alma/deixem suas almas por aqui/ao fim destas frases terei morrido um pouco/mas como diria o poeta, ninguém é pai de um poema sem morrer antes

Jean Louis Battre, 2010

16 de julho de 2013

Manifestação em casamento expõe sociedade fraturada

Por Luciano Martins Costa (Do Observatório da Imprensa)



Talvez tenha sido um dos menores, em número de participantes, na série de protestos que acontecem em cidades brasileiras desde junho, no rastro da campanha pela redução das tarifas de ônibus. Não mais do que sessenta pessoas se postaram diante da igreja do Carmo, no centro do Rio, para se manifestar durante a cerimônia de casamento de dois herdeiros de empresas de transporte público. No entanto, talvez tenha sido também o evento mais representativo da realidade perversa em que degenerou a democracia brasileira.

Como ocorre normalmente entre cariocas, tudo começou com brincadeiras e ironias, como a manifestante fantasiada de noiva, que distribuía baratas de plástico aos passantes. A noiva de verdade era a neta do empresário Jacob Barata, conhecido como o “rei dos ônibus” no Rio.



O relato dos jornais nesta segunda-feira (15), principalmente do Globo, é rico em detalhes [Aqui, o relato da colunista social Hildegard Angel]. A noiva, seu pai e o avô chegaram à igreja em duas Mercedes, que, segundo o jornal carioca, acumulam nada menos do que 22 multas desde 2010. A recepção aos cerca de mil convidados, realizada no hotel Copacabana Palace, teria custado R$ 2 milhões. A festa, que varou a noite, tinha um cantor famoso no palco, que era adornado por uma bandeira do Brasil.

Para qualquer observador, esse é o cenário que explica e justifica a onda de protestos que tem sua origem no problema da mobilidade urbana: de um lado, os usuários de ônibus; de outro, aqueles que acumulam fortunas indecentes com os serviços de má qualidade subsidiados por dinheiro público – e que não cumprem os mais básicos deveres da cidadania, como pagar multas de trânsito. A presença solene de uma bandeira nacional no palco de uma festa particular é a melhor representação de uma elite econômica privilegiada, cujos atos ofendem o senso comum das ruas, e que se sente proprietária do País.

A frase atribuída ao pensador britânico Samuel Johnson não teria melhor colocação: “o patriotismo é o último refúgio de um canalha”. Tanto na Inglaterra de 1775, quando Johnson se referia ao uso de falsos argumentos nacionalistas como justificativa para práticas contrárias ao interesse público, como no Brasil de 2013, a apropriação do patrimônio social é considerada por essa elite como direito sagrado.

As passeatas de protesto querem dizer o contrário.

Aviõezinhos de dinheiro


Sobrinho de Jacob Barata, Daniel Barata, 18, é suspeito de ter arremessado o cinzeiro e será convocado a prestar depoimento. Em sua página no Facebook, ele assumiu ter lançado um aviãozinho feito com uma nota de R$ 20 sobre os manifestantes, mas negou ter jogado o cinzeiro que atingiu Nascimento.


A imprensa cumpre seu papel ao relatar pontualmente os incidentes que se seguiram à cerimônia religiosa, mas não avança na descrição do pano de fundo desse confronto entre duas realidades: a dos controladores do transporte público e a dos usuários de ônibus.

O Globo apresenta, associada ao noticiário sobre o casamento e os protestos, uma reportagem que revela o poder econômico dos donos do transporte urbano no Rio, cuja contabilidade se caracteriza pela falta de transparência. Mas nada, no histórico recente dos jornais, indica que qualquer um deles terá apetite para avançar no esclarecimento do jogo de interesses que liga os empresários de ônibus e as autoridades que deveriam fiscalizar o funcionamento dessas empresas.

Um levantamento de como funciona o complexo sistema dos transportes urbanos explicaria a revolta dos jovens que saem às ruas pedindo o fim das tarifas. Pode-se também afirmar que a perversidade desse sistema justificaria até mesmo alguns atos de violência que simbolizam a revolta contra o cerceamento do direito de ir e vir, produzido pelo alto preço das passagens e pela precariedade dos serviços oferecidos à população.

As manifestações de junho puseram a nu uma realidade que vinha sendo ignorada ou omitida pela imprensa: a de que a maioria da população é refém de meia dúzia de empresários de um setor fundamental para o funcionamento das cidades, cujo poder é assegurado pela legislação que lhes permite financiar campanhas políticas.

A consciência desse poder perverso é que pode explicar a agressividade com que alguns convidados à festa da família Barata reagiram à presença de manifestantes na calçada em frente ao Copacabana Palace, na noite de sábado, 13.

Segundo contam os jornais, um dos convivas – apontado como parente da noiva – atirou do alto do edifício um cinzeiro de vidro, que feriu a cabeça de um jovem manifestante. Outros convidados lançaram sobre a multidão aviõezinhos feitos com notas de R$ 20.


Ruan Nascimento foi atingido pelo cinzeiro vindo do Copacabana Palace.

Não poderia haver cena mais representativa da desigualdade que emperra o desenvolvimento da democracia no Brasil. Não faltam motivos para a imprensa e as instituições da República decidirem de uma vez por todas de que lado dessa sociedade fraturada pretendem se colocar.

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