A Caverna

Esta é a caverna, quando a caverna nos é negada/Estas páginas são as paredes da antiga caverna de novo entre nós/A nova antiga caverna/Antiga na sua primordialidade/no seu sentido essencial/ali onde nossos antepassados sentavam a volta da fogueira/Aqui os que passam se encontram nos versos de outros/os meus versos são teus/os teus meus/os eus meus teus /aqui somos todos outros/e sendo outros não somos sós/sendo outros somos nós/somos irmandade/humanidade/vamos passando/lendo os outros em nós mesmos/e cada um que passa se deixa/essa vontade de não morrer/de seguir/de tocar/de comunicar/estamos sós entre nós mesmos/a palavra é a busca de sentido/busca pelo outro/busca do irmão/busca de algo além/quiçá um deus/a busca do amor/busca do nada e do tudo/qualquer busca que seja ou apenas o caminho/ o que podemos oferecer uns aos outros a não ser nosso eu mesmo esmo de si?/o que oferecer além do nosso não saber?/nossa solidão?/somos sós no silêncio, mas não na caverna/ cada um que passa pinta a parede desta caverna com seus símbolos/como as portas de um banheiro metafísico/este blog é metáfora da caverna de novo entre nós/uma porta de banheiro/onde cada outro/na sua solidão multidão/inscreve pedaços de alma na forma de qualquer coisa/versos/desenhos/fotos/arte/literatura/anti-literatura/desregramento/inventando/inversando reversamento mundo afora dentro de versos reversos solitários de si mesmos/fotografias da alma/deixem suas almas por aqui/ao fim destas frases terei morrido um pouco/mas como diria o poeta, ninguém é pai de um poema sem morrer antes

Jean Louis Battre, 2010

11 de agosto de 2012

L’An 01 (O ano 01)



Em O ano 01, a força de 1968

Produzido no início dos anos 70, com múltiplas referências à estética HQ, filme de Jacques Doillon imagina uma greve geral contra o capitalismo. Contra-sistema, contracultura, contra-cinema. Deliciosa, absurda e irreverente anarquia, indispensável quando o sistema se pretende avassalador
Bruno Carmelo - (19/05/2008)

E se o mundo combinasse, de um dia para o outro, parar de trabalhar? Se os operários largassem as fábricas, os bancários abandonassem os bancos, os estudantes parassem de ir às escolas e todos cruzassem os braços contra o sistema? Esse seria o utópico “ano 01” do título, referente ao começo de uma vida nova.

O diretor Jacques Doillon assina a direção do roteiro, escrito pelo cartunista Gébé. Embora não se trate de um desenho animado, é essa linguagem que inspira o caminhar da narrativa. As passagens são fragmentárias, desconectadas entre si, e cada uma contém um humor e uma piada em especial. Aos poucos, essas várias “charges cinematográficas”, ou “desenhos animados filmados”, unem-se e passam a constituir uma narrativa.

Afinal, para conteúdo subversivo, estética subversiva. Doillon vai ao fundo de sua proposta e faz um filme sem personagens principais. Os atores são centenas de conhecidos (Gérard Depardieu, Thierry Lhermitte, Miou-Miou, Coluche), que aparecem em pequenas pontas, mas nunca reaparecem. O grande personagem, aqui, é o povo, ou então a revolução.
Neste mundo utópico, essas vozes são caladas pelo povo, que adere em massa à greve e se recusa a retornar ao sistema capitalista


"E se o mundo combinasse, de um dia para o outro, parar de trabalhar? "
A produção data de 1972, portanto, ainda no calor do maio de 68, dos ideais jovens e do movimento hippie. Engraçado notar que essa colagem enlouquecida passa a constituir um verdadeiro documento histórico (sobre a ascenção da prática de liberdade e igualdade) e ideológico (sobre o desenvolvimento das idéias que permitiram esses eventos de se produzirem).

A anarquia de Doillon e da época não se baseia no contra-governo a na tomada de poder, mas na idéia anterior (e um tanto romântica) de ausência de poder. Nesse pensamento, a terra (agricultura) oferece tudo que o homem precisa. Logo, não haveria desejo de enriquecimento. O dinheiro perderia sentido e o trabalho se reduziria ao mínimo necessário para o consumo.

Logicamente, sempre há aqueles — patrões, presidentes — que pedem um retorno à norma e pensam na possibilidade de se aproveitar da situação para voltar a estocar produtos e constituir monopólio em seus ramos de produção. Entretanto, neste mundo utópico, essas vozes são caladas pelo povo, que adere em massa à greve e se recusa a retornar ao sistema capitalista.

Doillon leva sua proposta às últimas conseqüências e visualiza todos os efeitos dessa paralisação na sociedade: quebra das bolsas de valores norte-americanas (em cena dirigida pelo convidado Alain Resnais), melhora de vida nas colônias africanas (cena filmada por Jean Rouch), o fim da idéia de propriedade e posterior abolição das prisões, produção artística renovadora e mesmo um pequeno Museu de “objetos inúteis” ligados à vida consumista, como lustres e máquinas de lavar.

O filme termina nesse ritmo intenso de amor livre, cultura revolucionária e ideologia anarquista global. Pelo menos aqui, os eventos históricos não vêm dissolver o movimento, e nenhuma pressão põe em cheque o futuro do grupo. É difícil não se contaminar, quase 40 anos depois, pelo tom febril dessa nova sociedade que nos parece, na época de um capitalismo cada vez mais avassalador, de um absurdo deliciosamente cômico.

L’An 01 (1973)
Filme francês dirigido por Jacques Doillon (com Alain Resnais e Jean Rouch).
Com Cabu, François Cavanna, Gérard Depardiu, Gerard Junot etc.
Duração: 1h27.

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