A Caverna

Esta é a caverna, quando a caverna nos é negada/Estas páginas são as paredes da antiga caverna de novo entre nós/A nova antiga caverna/Antiga na sua primordialidade/no seu sentido essencial/ali onde nossos antepassados sentavam a volta da fogueira/Aqui os que passam se encontram nos versos de outros/os meus versos são teus/os teus meus/os eus meus teus /aqui somos todos outros/e sendo outros não somos sós/sendo outros somos nós/somos irmandade/humanidade/vamos passando/lendo os outros em nós mesmos/e cada um que passa se deixa/essa vontade de não morrer/de seguir/de tocar/de comunicar/estamos sós entre nós mesmos/a palavra é a busca de sentido/busca pelo outro/busca do irmão/busca de algo além/quiçá um deus/a busca do amor/busca do nada e do tudo/qualquer busca que seja ou apenas o caminho/ o que podemos oferecer uns aos outros a não ser nosso eu mesmo esmo de si?/o que oferecer além do nosso não saber?/nossa solidão?/somos sós no silêncio, mas não na caverna/ cada um que passa pinta a parede desta caverna com seus símbolos/como as portas de um banheiro metafísico/este blog é metáfora da caverna de novo entre nós/uma porta de banheiro/onde cada outro/na sua solidão multidão/inscreve pedaços de alma na forma de qualquer coisa/versos/desenhos/fotos/arte/literatura/anti-literatura/desregramento/inventando/inversando reversamento mundo afora dentro de versos reversos solitários de si mesmos/fotografias da alma/deixem suas almas por aqui/ao fim destas frases terei morrido um pouco/mas como diria o poeta, ninguém é pai de um poema sem morrer antes

Jean Louis Battre, 2010

13 de novembro de 2011

Antonio Negri discute protestos populares de EUA, Europa e mundo árabe Favoritar

Recebidos em seu tempo como “manifestos antiglobalização”, os livros escritos nos últimos anos pelo filósofo italiano Antonio Negri com o americano Michael Hardt, como “Império” (2000) e “Multidão” (2004) — ambos publicados no Brasil pela Record — são citados com frequência por participantes das manifestações populares recentes nos Estados Unidos e na Europa. De passagem pelo Rio, onde participou do seminário “Crise e revoluções possíveis” na Fundação Casa de Rui Barbosa, na quarta-feira, Negri falou ao GLOBO sobre as motivações e perspectivas desses protestos e apontou o italiano Silvio Berlusconi, que anunciou esta semana sua renúncia ao cargo de primeiro-ministro, como exemplo da “crise de representação política” atual.

Em um artigo recente, você e Michael Hardt argumentam que os protestos populares dos últimos meses nos países árabes, na Europa e nos Estados Unidos, embora de naturezas diferentes, estão relacionados com “a falta — ou o fracasso — da representação política”. Que falhas nas formas atuais de representação política esses protestos apontam?

ANTONIO NEGRI: A questão é compreender os pontos em torno dos quais os protestos se desenrolam. Temos uma crise econômica e social que é, cada vez mais, uma crise política. Começamos a ter a impressão de que as democracias ocidentais têm dificuldade de superar essa crise e não têm meios para responder a ela. Os jovens hoje protestam apaixonadamente contra as regulações financeiras, a falta de moradia, a dificuldade de entrar no mercado de trabalho. Na Europa e nos Estados Unidos, onde o desemprego cresce significativamente, não vemos perspectiva de normalização da economia. E com normalização quero dizer uma situação em que os jovens possam estudar e trabalhar. A crise real de hoje toca na questão da representação política, que está muito atrasada, por assim dizer, e se constitui através de eleições cada vez mais caras, que só podem ser bancadas por ricos ou corruptos.

Você já disse considerar os protestos como fenômenos “multitudinários”, um termo derivado de Spinoza que aparece muito em seus livros com Hardt. Como esses eventos se relacionam com o conceito de “multidão”?

Esse termo parte de uma crítica à palavra “povo”, que é uma construção soberana. Povo. Pueblo. Popolo. Povus. Spinoza diz que o povo é criado pelo Rei, é um sujeito que o Rei decide constituir. A soberania é do povo, mas é o Rei que a representa. O Rei, a aristocracia, as oligarquias, os partidos políticos da democracia. O “povo” é a base de toda soberania. Mas Spinoza diz que o problema não é a unidade do povo, mas sua diferença, suas singularidades. Ele diz que é através dessas singularidades que devemos criar uma unidade, mesmo que tendencial, porque nunca se chegará a uma unidade orgânica. Para Spinoza é essa multidão que pode criar a democracia, porque a democracia não é algo que os soberanos impõem. Já nós dizemos que a estrutura da produção se transformou profundamente. A unidade capitalista de produção está em crise de fragmentação diante de singularidades sociais que se tornaram produtivas. Isso quer dizer que cada um de nós, através de seus saberes e de sua capacidade de cooperar com os outros, pode construir a verdadeira base comum da produção.

Naquele artigo, você e Hardt afirmam que esses movimentos “precisariam se desenvolver muito mais antes de poder articular modelos efetivos de alternativa social”. Como um movimento “multitudinário” pode traduzir suas demandas em transformações reais na esfera política?

Os movimentos sociais às vezes dão a impressão de que têm um grande caminho a percorrer, mas muitas vezes há acelerações imediatas, imprevistas. Ninguém poderia imaginar a Primavera Árabe, por exemplo. Na Tunísia, o movimento já começa a renascer porque a nova classe dirigente não é capaz de interpretar a substância dos protestos, que não eram só contra Ben Ali, eram contra a miséria, contra a organização da sociedade tu$. O movimento dos Indignados, na Espanha, também não foi previsto. E o que eles exigem transcende as eleições. A primeira demanda é justamente uma lei eleitoral proporcional, que ultrapasse o dualismo partidário. É uma questão de representação. O movimento nos Estados Unidos começou com muitas dificuldades, a um certo ponto foi interpretado como “o Tea Party da esquerda”, mas isso não é verdade, ele é profundamente popular e reflete a tensão social do país.

Você esteve nas ocupações nos Estados Unidos?

Tenho notícias de Nova York por Michael [Hardt], mas não estive lá. Estive nos protestos na Espanha, eu estava dando aula em Sevilha no 15 de maio [primeiro dia de protestos]. Pouco depois fui a Madri lançar um livro e participei de reuniões com eles. Desde 1968 não vejo nada igual. Estive também na ocupação aqui do Rio, onde há umas 20 tendas, é bem simpática. Gostei de ver a relação dos jovens com os pobres, que é extremamente importante. A revolução possível está em reconhecer nos pobres o potencial. Não é a riqueza que conta, mas sim a liberação dessa energia que existe entre os pobres.

Alguns observadores dizem que uma “vitória” possível para os protestos nos Estados Unidos e na Europa seria um restabelecimento de ao menos alguns aspectos do Estado do Bem-Estar Social. Você acredita que isso é possível ou mesmo desejável?

Creio que não voltaremos ao Estado do Bem-Estar Social, pelo menos não na forma que tivemos com Roosevelt e o New Deal. A primeira resposta contra a crise foi justamente “Vamos fazer um novo New Deal!”, mas acredito que isso é impossível. O New Deal, no fim das contas, foi um contrato constitucional entre o Estado e o capital privado, de um lado, e os sindicatos e trabalhadores, de outro. Hoje, como isso vai ser feito? O “Estado” são as finanças globais, os mercados são os autores do contrato. Acima de tudo, acredito que o Bem Estar Social não deve ser uma meta, e sim uma condição. O Bem Estar Social não é um presente dos ricos aos pobres, é uma condição da riqueza de um país. Seja por programas como o Bolsa Família ou pelos suplementos salariais europeus, o Bem Estar Social deve ser uma condição.

“Império” foi publicado em 2000, num momento de hegemonia americana. Uma década depois, em um cenário diferente, quanto daquelas teses ainda é válido?

Recebemos muitas críticas por “Império”, mas hoje vemos que a globalização exige uma organização. Em 2005, publicamos um livro que dizia que a dependência [em relação aos Estados Unidos] tinha acabado. Víamos essa tendência na economia mundial. O Brasil, por exemplo, já havia ultrapassado essa dependência. Antes a direita e a esquerda brasileiras discutiam os Estados Unidos, hoje não é um tema tão central. O tema hoje é como se relacionar com Estados Unidos, Europa, América Latina, China, Índia. Cinco ou seis potências vão determinar o equilíbrio político, monetário, energético, social do mundo. Essas são as coisas sérias hoje. Além disso, com a globalização, o problema não é mais o Estado-Nação, são os grandes espaços continentais. A situação na Grécia pode causar a crise do euro e da União Europeia, seria um desastre para todos. Há o risco de uma crise definitiva, que talvez não venha da Grécia, mas da Itália, da França...

Como o senhor recebeu a notícia da renúncia de Silvio Berlusconi? A saída dele parece ter sido provocada não pelas acusações que enfrentava no país, mas pela pressão econômica e política da União Europeia. O que isso sugere para o futuro da Itália?

Berlusconi é um personagem indecente. Mas o problema não é ele. O problema é que ele dominou a Itália por 20 anos e, nesse período, o país não conseguiu criar alternativas a ele. Agora a Itália vai acertar suas contas. [Pega a edição do dia do jornal “Corriere della Sera” e aponta a manchete que diz que o ex-comissário europeu Mario Monti é o favorito para o cargo de primeiro-ministro.] Vamos entrar no governo de Monti, que vai fazer o que a Europa decidir, com o apoio de todos os partidos. Berlusconi talvez desapareça. Ainda tem pendências com a Justiça, mas provavelmente não enfrentará consequências mais graves. O problema de Berlusconi é o problema da representação. O dinheiro e a comunicação dominam a democracia e as possibilidades de expressão. Não é um problema só da Itália. Berlusconi se tornou a caricatura de uma crise geral da democracia e da representação. É preciso encontrar novas formas de participação. Enquanto não resolvermos isso, teremos crises continuamente.

12/11/2011 Guilherme Freitas

http://moglobo.globo.com/blogs/blog.asp?blg=prosa&cod_post=416165

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