A Caverna

Esta é a caverna, quando a caverna nos é negada/Estas páginas são as paredes da antiga caverna de novo entre nós/A nova antiga caverna/Antiga na sua primordialidade/no seu sentido essencial/ali onde nossos antepassados sentavam a volta da fogueira/Aqui os que passam se encontram nos versos de outros/os meus versos são teus/os teus meus/os eus meus teus /aqui somos todos outros/e sendo outros não somos sós/sendo outros somos nós/somos irmandade/humanidade/vamos passando/lendo os outros em nós mesmos/e cada um que passa se deixa/essa vontade de não morrer/de seguir/de tocar/de comunicar/estamos sós entre nós mesmos/a palavra é a busca de sentido/busca pelo outro/busca do irmão/busca de algo além/quiçá um deus/a busca do amor/busca do nada e do tudo/qualquer busca que seja ou apenas o caminho/ o que podemos oferecer uns aos outros a não ser nosso eu mesmo esmo de si?/o que oferecer além do nosso não saber?/nossa solidão?/somos sós no silêncio, mas não na caverna/ cada um que passa pinta a parede desta caverna com seus símbolos/como as portas de um banheiro metafísico/este blog é metáfora da caverna de novo entre nós/uma porta de banheiro/onde cada outro/na sua solidão multidão/inscreve pedaços de alma na forma de qualquer coisa/versos/desenhos/fotos/arte/literatura/anti-literatura/desregramento/inventando/inversando reversamento mundo afora dentro de versos reversos solitários de si mesmos/fotografias da alma/deixem suas almas por aqui/ao fim destas frases terei morrido um pouco/mas como diria o poeta, ninguém é pai de um poema sem morrer antes

Jean Louis Battre, 2010

17 de dezembro de 2009

O Sonho e a Revolução.

O sonho não é o contrário da realidade. Ele é um aspecto real da vida humana, assim como a ação; e um e outra, bem longe de se excluírem, se completam. Mas, este aspecto, negligenciado ou voluntariamente relegado ao plano das superstições perigosas pela civilização atual (a das casernas, das igrejas e das delegacias) contém os fermentos de revolta mais violentos por serem os mais profundamente humanos. Compreende-se que a vontade de obscurantismo dos matres à penser seja sempre manifestada por um desprezo total em relação ao sonho. Sua inteligência se limitou a tolerar (e talvez favorecer) a difusão das "Chaves dos sonhos", obras desnaturadas, de caráter puramente supersticioso, fantasioso ou idiota. Mas os povos que o odioso bom senso europeu se obstina em denominar "primitivos" (primitivos porque nunca conhecerão os segredos da bomba atômica, ou simplesmente da hipocrisia diplomática) concedem ao sonho um lugar de primeiro plano.

Freud, desvelando o mecanismo do sonho, interpretando-o, demonstrou que ele constituía o perfeito revelador das tendências e dos desejos mais secretos do homem. Sabe-se agora que não existe sonho gratuito, que pelo simples fato de sonhar o homem muda seu destino, mesmo que essa mudança permaneça imperceptível. Desperto, o homem apreende do mundo o que sua razão e seus sentidos bem quiserem lhe deixar aperceber, isto é, uma ínfima parte do que realmente é; em sonho, os objetos, os sentimentos, as relações mais audaciosas tornam-se-lhe lícitas, familiares. Desceu ao coração de si mesmo, ao coração das coisas.


Isto é válido tanto para as coletividades quanto para os indivíduos. Se o sonho é a expressão do desejo, se a explicação de um pode preludiar, numa certa medida, a realização do outro, o maior desejo coletivo é a revolução. G. C. Lichtenberg lamentava que a história fosse feita unicamente da narrativa dos homens despertos. Quando, numa noite, todos os explorados sonharem que é preciso acabar e como acabar com o sistema tirânico que os governa, aí então, talvez, a aurora surgirá em todo o mundo, sobre barricadas.


Jean Schuster
Le Libertaire, 26 de outubro de 1951.


Retirado de Surrealismo e Anarquismo: "bilhetes surrealistas" de Le Libertaire.
Plínio Augusto Coelho (org.). São Paulo: Imaginário, 1990.

Nenhum comentário:

Postar um comentário